sábado, 14 de fevereiro de 2015

E no Dia dos Namorados... (Valentine's Day)


Já não te trago nada,
Senão este pudor
Que é terno, que é farra
Que é recato e é ardor...
E que neste encontro
De silêncio adornado,
Tu saibas de pronto
Deste amor tão delicado.

Neli Araujo
2009

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Separação...


Não lembro ao certo

Quando o muro foi erguido

Foi surgindo aos poucos

Uma palavra áspera aqui

Um descaso acolá

E quando percebemos

Estava pronto

E desde então

Tem nos dividido ao meio



Ademir Antonio Bacca


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O Último Texto 1997

O último texto
.
Já é tarde...
Passo por todos os cômodos da casa e tento registrar cada detalhe como em câmera fotográfica, para não mais esquecê-los.
Na sala o porta-retratos com a foto de minhas avós lembra o encontro que se aproxima... Que saudades destas que já se foram... De outra moldura, o olhar triste e profundo da bisavó paterna me observa... Finalmente poderei conhecê-la e constatar nossa semelhança física, nossos traços comuns e a nossa famosa rigidez suíça...
Vejo meus vasos de plantas e penso em quem irá regá-los, e arrancar as folhas secas quando eu não mais estiver aqui... Certamente a Maria, a “mãe preta” dos meus filhos, que faz com que a vida continue quando estou ausente.
Observo cada quadro (Que lindo é o tucano que o Renato pintou!), cada adorno, e até os mais singelos objetos, cuidadosamente colocados em lugares escolhidos, como se fossem convidados de honra do banquete da minha vida.
Vejo o meu aparelho de som, companheiro das longas noites de insônia, e aproveito para ouvir mais uma vez meu CD predileto, e me emociono com a “Viola Louvadeira” tocada pelo meu amigo Marcão. Quantas lembranças gostosas me passam pela cabeça... Mas o tempo é curto para contá-las agora...
Passo pelo quarto em que um dia nos amamos, e no qual nos perdemos, nos mais gostosos delírios e prazeres... Este mesmo que um dia presenciou os filhos sendo amamentados e acalentados no mais doce carinho... Este mesmo quarto que um dia percebeu meu sobressalto e desespero quando da descoberta de que não era mais única na sua vida; o mesmo que acolheu meu constrangimento pela traição; que compartilhou das nossas discussões, nossas mais pesadas brigas e finalmente a minha solidão... Foi aqui que tantas vezes, no mais profundo exercício de fé, eu invoquei o nome do Senhor, e tal como o salmista, pedi que me fizesse caminhar por pastagens verdejantes, que desse refrigério à minha alma, e que me levasse para junto das águas de descanso...
Em meio a tantas lembranças, resolvo dar uma passada no quarto dos filhos... Dormem todos, tranqüilos, mergulhados nos seus sonhos infanto-juvenis.
Beijo cada um dos três, e sinto vontade de tomá-los em meus braços nesta derradeira despedida, mas já não cabem mais em meu colinho... Não faz mal, pois cada um tem um canto aconchegante dentro deste coração. Cada qual com seus defeitos, suas má-criações e qualidades também. Como são queridos estes amados meus! Cada um querendo seguir seus próprios passos, mas ainda dependentes das minhas palavras de carinho, de consolo, e da sabedoria dos meus 44 anos também.
Percebo aflita, que o tempo está se esgotando, e que ainda há muita coisa a ser falada... Sobre os pais, sobre os familiares e amigos... E então peço mais um tempo ao tempo, para que possa registrar tudo o que falta antes da minha partida.

Neli Araujo
Madrugada de 11/10/1997

Queridos, este foi um exercício proposto em um curso de “redação” do qual participei em 1997, e o tema foi proposto pelo professor: “O último texto”.
De lá para cá, muita coisa já mudou... Estou com 56 anos; Não sofro mais com minha separação; As fotos dos meus antepassados não se encontram mais na minha sala; Eu não tenho mais longas noites de insônia; O meu CD predileto “Exultai!”, também é de música sacra, mas agora cantado por um coral de 350 vozes divinas. O meu quarto possui decoração diferente, e há sempre um vira-lata (Tutu) deitado aos pés da cama, louco para me fazer uma festinha;
Os filhos cresceram. Um deles já mora fora, e dois estão para sair de casa nos próximos dias; A nossa querida Maria, “mãe preta” africana dos meus filhos, adoeceu e faleceu recentemente lá na Nigéria...
E eu, ainda que este texto tenha sido só um exercício, deixo bem claro que ainda não estou pronta para partir. Há muita coisa a fazer na vida antes deste momento, que um dia certamente chegará.
Uma beijoca a todos,
Neli Araujo

17 de Novembro de 2009


Então, hoje estou com quase 62 anos, ainda não me sinto pronta para partir, mas senti vontade de postar este exercício novamente.
Neli Araujo

09 de Fevereiro de 2015